Bolívar é essencialmente um mito. Um desses mitos fundadores
de identidades nacionais. Para muitas nações sul-americanas, ele é tido como o “libertador”.
Marx, em suas diatribes iconoclastas (advindas do instinto de que nenhum herói
é alçado acima das massas como agente histórico sem uma enorme carga de mistificação)
, já havia desmascarado a farsa. Em seu ensaio sobre Simón Bolívar, o mouro
retrata o comandante liberal como um sujeito covarde, ambíguo e ambicioso que
tentou capitalizar os esforços guerreiros de outros para erguer sua glória
pessoal.
Não parece realmente nada surpreendente que outro caudilho
oportunista de nome Hugo Chávez tenha ressuscitado Bolívar no discurso político
da América do Sul. Hugo Chávez e o movimento continental bolivariano permanece
em nosso espectro político como uma farsa que esconde outros interesses, mais
funestos e inescrupulosos.
Chávez surgiu no cenário político venezuelano na esteira do
chamado “Movimiento Bolivariano Revolucionario -200”. O MBR-200 surgiu na
década de 1980 entre oficiais do exército, visando dar continuidade a tradição militar
putchista que tanto se repetiu gerando tragédias singulares na política da
Venezuela ao longo do século XX. O MBR-200 era essencialmente marcada por um
forte apelo nacionalista e pela defesa de uma série de bandeiras liberais. A
política bolivariana não visava atacar o Estado Burguês, não visava destruí-lo.
Pelo contrário. Guardava imensa fé nos princípios liberais da constituição
venezuelana , que eles acreditavam, estavam sendo esquecidos pelos políticos no
poder. Nunca, em momento algum, o bolivarianismo abandonou sua visão negativa
acerca do comunismo. Chávez foi ( e é) defensor de uma terceira via, a meia
distância do capitalismo liberal e do comunismo. Na Venezuela, devido a forte
dependência em relação ao petróleo, esta terceira via se concretizaria pela
concentração do poder nas mãos do executivo em vistas de implantar reformas . O
grande herói de Chávez, além do velho farsante da libertação colonial, era o general
peruano Velasco Alvarado, a quem ele chegou a conhecer e a lançar torrentes de
elogios e aprovação. Alvarado havia imposto ao Peru, uma política tipicamente
bonapartista. Assim, como Alvarado, Chávez acreditava ( e ainda acredita) na
primazia política do Exército na direção de uma política progressista
essencialmente reformista, e fundamentalmente anti-comunista. A política
bonapartista dos caudilhos latino-americanos sempre tiveram um mesmo objetivo:
evitar o “flagelo” do comunismo.
Chávez reiterou esta ideologia diversas vezes: a defesa de
uma negociação entre classes antagônicas, forçada por um governo militar ,
levado a frente por uma figura carismática e centrada no nacionalismo e
reformismo. Isto é o bolivarianismo, a que, a partir de 2005 passou a se
auto-denominar “Socialismo do século XXI” (qualquer semelhança com o fascismo
europeu não é mera coincidência).
Hugo Chávez e seu mais fiel sócio |
Sem dúvidas, o bolivarianismo venceu na Venezuela a reboque
da insatisfação popular gerada contra as políticas neo-liberais fracassadas que
se implantaram na Venezuela no início no final dos anos 80 e início dos anos
90. Após o fracassado putsch e a respectiva prisão, Chávez se volta para a
velha política eleitoreira, até que consegue sua eleição ao Comitê Executivo da
burguesia em 1998.
O desastre do neo-liberalismo em uma região com tamanha
tensão entre as classes como a América do Sul , com tão altos níveis de
desigualdades sociais, com tão ampla tradição autoritária e populista e com um
imenso vazio na política revolucionária provocado por décadas de matanças de
revolucionários comunistas, levou a este interessante fenômeno de ressurgimento
de políticas nacionalistas e demagógicas . Exemplos disto se repetiram na
Bolívia com a ascensão de Evo Morales, no Equador com Rafael Correa, na
Argentina dos Kirchner e no Brasil e seu famigerado PT.
Porém, este novo populismo tem limites claros. Está , por
assim dizer, cavando sua própria cova. O bolivarianismo encontra-se em um beco
sem saída. Na Venezuela, após alimentar novos setores burgueses privilegiados
que lucram criminosamente com o Petróleo, o governo bolivariano vem
demonstrando sua impotência em solucionar as contradições do sistema em seus
próprios termos. Cada vez mais, se aproxima de posições mais conservadoras ,
criminalizando os movimentos populares autônomos, controlando os sindicatos. O
reformismo em uma instância, é uma ilusão alimentada por aqueles que pensam que
podem simplesmente frear a luta revolucionária dos povos. Este mesmo fenômeno,
plenamente compreensível dentro da dialética materialista, pode ser observado
igualmente na Bolívia e no Equador. A esquerda que se prende ao espetáculo
fajuto do bolivarianismo se prende a um mito político montado em um ambiente
político em que os revolucionários são intencionalmente isolados das massas,
para que assim a inércia seja dominante e um projeto de poder criminoso se
estabeleça.
Não há qualquer forma de socialismo na Venezuela. O poder
não é dos proletários, mas sim de Chávez e das forças armadas, e fundado nos
lucros petrolíferos. A esquerda permanece alijada do poder ou submetida aos
bolivarianos. O bonapartismo pseudo-socialista tem contribuído para reduzir a
luta de classes a uma retórica vazia baseada em mitos que enganam incautos em
várias partes do mundo.
A luta revolucionária comunista necessariamente deverá
surgir das ruínas deste “Socialismo do século XXI”. E este processo inevitável de
deterioração da farsa já está em andamento. O século XXI será comunista.
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