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sábado, 28 de setembro de 2013

A experiência maoísta na União Soviética

Este trabalho é a tradução de um artigo russo publicado por Alexei Volynets em:


Com o título: A Guarda Vermelha Soviética: a União Soviética necessita de Mao Tsé-tung.

Quando se escreve sobre a história do movimento dissidente na União Soviética, o setor pró-ocidental e “democrático” e tais movimentos focam  a maior parte da atenção por razões óbvias. Muito menos atenções recebem os nacionalistas do “Partido Russo” e os distintos dissidentes da esquerda. Porém os grupos mais desafortunados de dissidentes são os seguidores do Presidente Mao, os “Guardas Vermelhos”, soviéticos. As “vozes ocidentais” daqueles anos os afastaram da história e da memória histórica contemporânea e o restante dos grupos os ignorou. E ainda assim, aqueles que tentaram reproduzir as lições da “Grande Revolução Cultural” na União Soviética não eram os mesmos que pregavam o modelo de democracia ao estilo ocidental na União Soviética.

Após a morte de Stalin e especialmente depois do XX Congresso do PCUS, para muitos cidadãos da URSS, que acreditavam sinceramente no bolchevismo, Mao Tsé-tung se converteu, possivelmente, no grande dirigente do “Movimento Comunista Internacional”. O camarada Mao, um antigo partisan de honra comprovada que guiava sob a bandeira vermelha o país mais populoso da Terra, parecia dispor da sabedoria necessária para desempenhar com muito mais eficiência o papel de dirigente mundial do que Nikita Kruschov, um apparatchik (*agente do governo) profissional do partido com uma biografia bastante confusa.

O povo soviético pelo Socialismo Leninista

E o dirigente soviético certamente se sentia incomodado por este fato. Como, por exemplo, em março de 1962, quando um operário de 40 anos chamado Kulakov, membro do Partido Comunista soviético que trabalhava na construção da planta hidroelétrica de Brastk, na região de Ikkutsk, enviou uma carta a Kruschov. Na carta, o proletariado não se fez de bobo com o Primeiro Secretário do Comitê Central: “a grande massa dos povos soviéticos acredita que você é um inimigo do Partido de Lenin e Stalin. Em uma palavra, que você não deixou de ser um autêntico trotskista... V.I. Lenin sonhava em fazer da China um amigo do povo soviético e este sonho o camarada Stalin realizou; mas você destruiu esta amizade. Mao se opõe a desonra que você infligiu ao partido de Lenin e Stalin. Lenin e Stalin lutaram audaciosamente contra os inimigos da revolução e venceram a guerra aberta sem terem medo de serem presos. Você é um covarde e um agente provocador. Quando o camarada Stalin vivia você beijava o rabo; agora o coloca como um burro.”

Por causa desta carta o operário Kulakov foi condenado a um ano de prisão, acusado de “propaganda anti-soviética”. Não faltaram declarações similares, algumas delas públicas. Em Kiev, em 18 de março do mesmo ano (1962), durante as eleições do Soviet Supreto da URSS, um presidente do kholkoze, de 45 anos chamado Boris Loskutov e um membro do Partido Comunista soviético distribuíram panfletos com o texto: “Viva o Partido Leninista sem o charlatão e traidor Kruschev! A política deste louco nos levou à perda da China, Albânia e de milhões de nossos antigos amigos. O país está em um beco sem saída. Fechemos o cerco! Salvemos o país!”

O presidente do kolkhoze foi preso e mais tarde condenado a quatro anos de prisão.

Na noite de junho de 1963 na cidade de Mena, na região de Chernigovskaya na Ucrânia, um artista de 27 anos do teatro da cidade, Ivan Panasetsky, colocou uma série de cartazes feitos por ele mesmo com as consignas “A anarquia kruschevista matou a verdade durante o mandato de Stalin, para tomar o poder”, “Abaixo a anarquia kruschevista! Viva o Partido Comunista Chinês!”, “Viva Mao Tsé-tung, líder dos trabalhadores do mundo inteiro!”

Na noite de 3 para 4 de agosto de 1963 na cidade de Batumi na Geórgia, onde o jovem Stalin deu início a suas primeiras atividades práticas como revolucionário, três cidadãos da União Soviética-G. Svandize, de 28 anos, sua esposa de 24 L Kizilova e seu camarada de 23 V. Miminoshvili (todos eles membros do Komsomol)- distribuíram folhetos que chamavam para derrotar a Kruschev e a defender a memória de Stalin. No texto os jovens membros do Komsomol escreveram “Nosso líder é Mao Tsé-tung” e “A URSS necessita de Mao Tsé-tung!”

Em 1 de junho de 1964, na cidade de Donetsk, um mineiro de 37 anos, Vsili Poluban, colocou folhetos na cidade com a seguinte convocatória: “Apoiemos os laços com a Democracia Popular chinesa que luta pela paz e a democracia mundial! Lenin! Stalin! Kruschev, saia daqui! Lenin e Stalin viverão para sempre! Abaixo com a ditadura de Kruschev que contamina as mentes da classe operária!”; “O partido de Lenin e Stalin nos conduzirá à vitória, à unidade comunista! Abaixo a N.S. Kruschev! Viva a nossos amigos chineses!”

Estes foram só alguns exemplos da dissidência vermelha destes anos, quando o dirigente formal da União Soviética, Kruschev, se opunha ao líder informal do “movimento comunista mundial”, Mao. Este mal-estar social pretendia também, entre outras coisas, a exclusão de Nikita Sergeevich Kruschev do poder. Porém é digno ressaltar que junto com a demissão de Kruschev aqueles cidadãos da URSS que apoiavam as ideas de Mao sem dúvida, não colocaram fim a suas atividades. Além do mais, foi neste momento quando a “Revolução Cultural” na China estava em seu apogeu e muitos cidadãos soviéticos não estavam contra em aplicar todos métodos da Guarda Vermelha a seus próprios burocratas...

De janeiro até março de 1967 um estudante de 21 anos da escola de aviação A. Makovsky distribuiu panfletos em Moscou em numerosas ocasiões. Panfletos dos quais segundo os investigadores da Oficina de Fiscalização Geral da União Soviética, “propagavam as ideias de Mao Tsé-tung”. Parte dos panfletos foi lançada na Praça Vermelha, perto do Kremlim. Vale ressaltar que esta ação perante o Kremlim aconteceu um ano antes da tão difundida “manifestação dos sete”, de agosto de 1968, que os meios ocidentais propagaram aos quatro ventos.

Em 13 de fevereiro de 1967, na cidade de Komsomolsk, na orla de Amur, a 6.000 kilômetros de Moscou, um membro do Komsomol de 20 anos, engenheiro do clube de vela da cidade, V. Ermokhin, um membro do Komsomol de 21 anos e estudante do Instituto Médico, M. Chirkov, e um comunista de 30, mergulhador profissional, P. Korogodsky, distribuíram folhetos que diziam: “Mao Tsé Tung é um sol vermelho em nossos corações! Proletários comunistas, lutai contra este bando de revisionistas modernos, sucessores de Kruschev!”.

Quase ao mesmo tempo, em 16 de fevereiro de 1967, em outro extremo da URSS, na ucraniana Donetsk, um membro de 35 anos, P. Melnikov, colocou em um fichário alguns panfletos escritos a próprio punho proclamando Mao Tsé-tung e chamando à derrubada de Brezhnev.

Estes são só uma série de exemplos deste tipo de ações que se conservaram para nós nos Escritórios de Fiscalização, e na KGB soviética. Porém, demais ações individuais também surgiram e se formaram círculos de um “movimento comunista clandestino”, inspirados nas ideias e consignas revolucionárias de Mao.

Os irmãos Romanenko, que adquiriram fama na China

Um dos primeiros grupos desse tipo surgiu em 1964 na Ucrânia, na região industrial de Kharkov, onde a “tradição proletária” não era um simples clichê propagandístico da época soviética tardia. Ali, na cidade de Balakleya, não muito longe Kharkov, se formou um grupo marxista sob o nome de “Partido Comunista Revolucionário dos Operários e Camponeses”. Seus fundadores foram os irmãos Adolf e Vladimir Romanenko. Vladimir Romanenko de 35 anos trabalhava como eletricista em Kharkov e mais tarde estudou na Faculdade de Jornalismo da Universidade de Leningrado. Seu irmão Adolf, de 33, trabalhava para um jornal chamado “A foice e o martelo” no distrito industrial da cidade. Em Leningrado, Vladimir Romanenko conheceu estudantes da China dos quais recebeu literatura maoísta. Já em setembro de 1963, os irmãos escreveram uma declaração ao Comitê Central do Partido Comunista chinês com críticas ao novo programa do PCUS adotado no XXII Congresso de 1961. Ao cidadão chinês Tchzan Dadi, estudante do Instituto de Leningrado, lhe foi entregue uma cópia desta declaração para que enviasse a China ao Comitê Central do Partido Comunista chinês.

Como escreveria mais tarde o fiscal da região de Kharkov em seu informe ao Kremlim, os irmãos Romanenko “sob a influência da propaganda chinesa, decidiram criar uma organização esquerdista radical ilegal depois de haver chegado a conclusão de que o PCUS havia deixado de representar os interesses dos trabalhadores e de um partido revolucionário havia se transformado em um partido representante de interesses pequeno-burgueses até terminar sendo finalmente uma força reacionária”.

Em setembro de 1964, Romanenko havia terminado de elaborar o programa de seu projeto de “Partido Comunista Revolucionário dos Operários e Camponeses”. O programa incluía a seguinte declaração:

A distancia salarial entre o operário médio e os especialistas de maior categoria ou os burocratas oportunistas de caneta segue crescendo dia após dia... Incluindo agora os burocratas e até os órgãos de controle do chamado partido-estado roubam a produção excedente, e as classes produtivas...

A afirmação de que a ditadura do proletariado acabou obsoleta não beneficia nem a classe operária nem as classes camponesas, senão a aqueles a quem a simples menção da expressão “ditadura da classe operária” produz fortes dores, a aqueles que são mais fácil saquear a produção excedente no marco de um estado “nacional” semi-burguês. E quando o partido que governa não luta contra esta situação, ao contrário, ajuda a legalizá-la, então este partido é um partido pequeno-burguês...

O PCUS se desenvolveu como um partido político capaz de dirigir as massas pelo caminho indicado pelo grande Lenin... Portanto não há tempo a perder. É preciso, o quanto antes, arma a classe operária e aos camponeses das fazendas coletivas com a autêntica teoria revolucionária marxista... Para isso, é necessário criar organizações em cada fábrica, em cada construção, em todas as fazendas coletivas (kolkhoses) e em todas as fazendas estatais (sovkhozes), em todos os centros educativos e em todas as unidades militares, com a finalidade de explicar a natureza revisionista do programa do PCUS.

No final do outono de 1964, os irmãos Romanenko foram detidos pela KGB. Durante a investigação penal, Adolf Romanenko não deixou de expor seu pensamento, totalmente influenciado pelo espírito da “Revolução Cultural” do presidente Mao:

“É mais, creio que, no dia de hoje, se dão em nosso país todas as condições para que prosperem os elementos pequeno-burgueses. Em minha opinião, enquanto os dirigentes do PCUS, tanto centrais como das províncias periféricas, os dirigentes do governo soviético e dos soviets locais os dirigentes dos aparatos administrativos tiverem todos os privilégios imagináveis; enquanto a riqueza material se distribuir, em minha opinião, incorretamente, enquanto isso seguir assim, digo, creio que em nosso país florescerá uma ideologia pequeno-burguesa. E os aparatos dos soviets, do partido, e administrativos tratarão de dar carta de legalidade a seus privilégios e desigualdades na distribuição da riqueza material.

Tudo isso me leva a conclusão de que a fraternidade e a igualdade são impossíveis na atual situação e creio que o PCUS não pode ser expressão da vontade popular... Creio que os interesses do povo trabalhador e dos dirigentes são diametralmente opostos e por isso, creio não existe unidade de nenhum tipo entre o Partido e o Povo”.

Os irmãos Romanenko se salvaram de uma longa condenação praticamente graças a intercessão de Mao Tsé-tung. Os irmãos foram detidos um dia antes do Pleno extraordinário do Comitê Central do PCUS em que Kruschev foi derrubado. Os novos dirigentes do PCUS Brezhnev e Shelepin, organizadores da eliminação de Kruschev, esperavam naquele momento superar de uma forma ou de outra o racha com a China comunista, sem mudar a política nacional e internacional da URSS. Deste modo, em uma reunião no Kremlim em que foram convocados os responsáveis da Inspeção e da KGB da região Kharkov, se tomou a decisão de levar perante os tribunais estes maoístas soviéticos, que eram bem conhecidos na China. Os irmãos Romanenko ficaram em liberdade alguns meses depois, porém, desde esse momento ficaram sob a estreita vigilância da KGB que lhes impediu de continuar sua atividade política.

***

Uma ampla gama de grupos clandestinos maoístas apareceu na capital da URSS na segunda metade dos anos 60, quando o exemplo da “Grande Revolução Cultural” era especialmente intenso. Enquanto na Europa ocidental se produzia sob a forma de revolta estudantil em Paris, na União Soviética semelhante revolta aberta era impossível, porém o eco dos Guardas Vermelhos se sentiu inclusive aqui. Milhares de estudantes e de doutorandos da China maoísta estudavam em universidades e centros de educação superior soviéticos. E foi através destes estudantes que a literatura da Guarda Vermelha chegou em mãos de nossos concidadãos.

Entre 1965 e 1967, um pequeno grupo marxista funcionou em Moscou dirigido por dois assistentes de investigação do Instituto Econômico de Estudos dos Sistemas Socialistas a nível Mundial, da Academia Soviética de Ciências. Eram, o cidadão da República Popular chinesa Ho Dantsin, de 35 anos, e cidadão soviético G. Ivanov. Juntos, estes dois comunistas, o chinês e o soviético distribuíram em Moscou literatura de agitação chinesa e criaram também toda a uma série de material propagandístico que intitularam “Manifesto do Socialismo (Programa do Partido Socialista Revolucionário da União Soviética)”. Em fevereiro de 1967 o chinês Ho e o russo Ivanov foram detidos pela KGB.

Em 1968, em Moscou, um construtor de 30 anos, G. Sudakov, e seu irmão de 20 V. Sudakov criaram um pequeno grupo: “A União de Luta Contra o Revisionismo”. Em fevereiro e junho de 1968 distribuíram literatura da China revolucionária, assim como panfletos elaborados por conta própria com uma rudimentar prensa que eles mesmos haviam construído.

Em 24 de fevereiro de 1976, no mesmo dia da inauguração do XXV Congresso do PCUS, quatro jovens distribuíram e colaram mais de 100 panfletos nas portas das casas da zona central de Nevsky Prospekt em Leningrado. Os panfletos, escritos a mão, terminavam com um “Viva a nova revolução! Viva o comunismo!”

Somente depois de algum tempo a KGB conseguiu descobrir que os participantes desta ação foram os estudantes de primeiro grau das universidades de Leningrado Arkady Tsurkov, Alexander Skobv, Andery Renikov e um alluno de décimo grau, Alexander Fomenko. Eles eram os organizadores de um grupo marxista ilegal chamado de “Escola de Leningrado”. O líder informal deste grupo foi o sobressalente estudante de matemática de 19 anos Arkady Tsurkov. Desde o início dos anos 70 estava fascinado pelas idéias de Mao Tsé-tung e escutava clandestinamente o serviço russo da Rádio Pequim.

Naqueles momentos, os estudantes chineses (que nos anos 60 haviam sido a fonte principal de distribuição de literatura maoísta entre os cidadãos soviéticos) já não estudavam na Rússia. Porém na década de 70 apareceu um volume desconhecido de publicações (livros e folhetos) na União Soviética que desmascaravam e criticavam o caminho seguido pelo Partido Comunista chinês e a Mao. Em princípios dos anos setenta, a agitação e propaganda soviética trabalharam mais ativamente e gradual contra a China maoísta do que contra a “burguesia ocidental”. Como em toda propaganda hostil, nessa literatura era necessário descrever os fenômenos e ações que estavam condenando. Porém o que negativo para os propagandistas do Comitê Central se converteu em algo positivo para os “dissidentes esquerdistas”. De fato, Arkady Tsurkov se converteu em maoísta depois de haver lido toda a propaganda soviética antimaoísta.

Em 1977 e 1978 os dirigentes da “Escola de Leningrado” organizaram em uma casa nos arredores desta cidade, uma comuna onde conviviam jovens, estudavam e propagavam entre os estudantes as idéias do camarada Mao. Em 1978, a “Escola de Leningrado” estabeleceu vínculos com os  simpatizantes procedentes de Moscou, Gorky (agora Nijni Novgorod), Riga e outras cidades da União Soviética. Quando tentavam organizar uma conferência clandestina de jovens cujo objetivo era criar uma ampla associação – a “União de Juventudes Comunistas Revolucionárias” - os dirigentes desta “Escola de Leningrado” foram detidos pela KGB.

Pouco depois de sua detenção, em 5 de dezembro de 1978, em Leningrado ocorreu um acontecimento até então inaudito: na Catedral de Kazan (lugar da primeira manifestação massiva de estudantes contra o Czar em 1876) várias centenas de jovens, homens e mulheres, dos institutos e escolas de Leningrado se reuniram para protestar contra estas detenções. Cerca de 20 pessoas foram detidas. Durante o julgamento de o líder da “Escola de Leningrado”, A. Tsurkov, celebrado entre 3 e 6 de abril de 1979, um grande número de estudantes se reuniram em protesto frente ao edifício. Arkady Tsurkov foi condenado a 5 anos de internamento em um campo de prisioneiros em regime de isolamento e a dois anos de exílio.

Os dirigentes maoístas do movimento grevista de trabalhadores soviéticos.


Porém as ideias revolucionárias de Mao não acabaram só em torno dos alunos de institutos e estudantes universitários. Pode-se documentar sem sombra de dúvida a existência de ao menos um grupo marxista ilegal que não só estudou a experiência e as idéias de Mao Tsé-tung, e também tomou parte na organização de exitosas greves de operários soviéticos. Refiro-me neste caso a aparição nos anos 70 na cidade industrial de Kuibyshev (Samara), do grupo político “Centro Operário”. O grupo tratou de fundar um Partido Marxista ilegal, o “Partido da Ditadura do Proletariado”.

Na primavera de 1974, em Kuibyshev, houve uma greve dos trabalhadores de uma construção de uma oficina da fábrica de Maslennikov. A fábrica produzia também equipamentos para o complexo industrial-militar soviético. Os operários não exigiram nenhuma demanda política porém conseguiram algumas melhoras em suas condições de trabalho tanto da admnistração como das autoridades locais, a quem pegou totalmente de surpresa tal ação organizada. Seguindo o modelo dessa exitosa greve, durante o ano seguinte se produziram na fábrica de Maslennikov e em outras empresas da cidade mais de dez greves. Um acontecimento de tanta importância para a União Soviética chamou de imediato a atenção da KGB, porém só depois de dois anos de intensas investigações a KGB foi capaz de concluir que a organização marxista ilegal “Centro Operário” era o movimento organizador na cidade.

A fábrica de Maslennikov de Kuibyshev.

Os dirigentes da organização foram Grigory Isaev, de 31 anos, trabalhador da oficina da fundição da fábrica Maslennikov, e Alexei Razlatsky, de 39, engenheiro petroleiro.

Isaev e Razlatsky foram a força inspiradora e os organizadores de uma série de greves nas fábricas de Kuibyshev em 1974. Depois de dois anos (de atividade), esta organização marxista ilegal chegou a contar com mais de 30 ativistas clandestinos. Tenha-se em conta que o “Centro Operário” foi uma das organizações dissidentes de maior êxito em termo de planificação e atividade conspirativa. Seus ativistas estudaram sistematicamente e com todo detalhe a experiência conspirativa dos revolucionários russos antes de 1917 e a dos partisans na clandestinidade da Grande Guerra Patriótica, ao qual permitiu funcionar com êxito o “Centro Operário” desde 1974 até 1981.

Em 1976 os dirigentes do “Centro Operário” elaboraram um “Manifesto por um Movimento Comunista Revolucionário”:

O golpe de estado contra-revolucionário na URSS teve lugar de modo tão discreto e inesperado que nada se deu conta. No curso de um decênio, a administração soviética, cada dia que passa mais ditatorial, conseguiu se passar por uma direção marxista-leninista e conseguiu lavar o cérebro  aos trabalhadores com seu jogo democrático. Incluindo uma verdadeira análise marxista do que está acontecendo na Rússia. Porém o golpe de estado contra revolucionário não teve lugar e o que devemos fazer primeiro é interromper este autêntico golpe de estado.

Em 1961 o Programa do PCUS e, mais tarde, a recente Constituição de 1977 declararam que as tarefas da ditadura do proletariado já se cumpriram e foi declarada a União Soviética como um estado de todo o povo. Mas para os marxistas sempre esteve claro que até que o proletariado vitorioso pudesse prescindir da necessidade de um estado, este não pode ser senão uma ditadura revolucionária do proletariado.

Os ativistas do “Centro Operário” faziam um chamamento para estudar exaustivamente a experiência da China comunista. Seu manifesto incluía a seguinte declaração:

Até meados dos anos 50, o desenvolvimento político da China em um ritmo acelerado repetia a experiência da União Soviética. É possível que outros princípios e possivelmente acontecimentos ligados à chegada de Nikita Kruschev na cena política, obrigaram Mao Tsé-tung a reconsiderar a validade do sistema que havia possibilitado a subida de pessoas a níveis mais altos da direção. Uma análise da situação confirmou nossos piores temores: com certas divergências nacionais, o sistema chinês foi uma cópia do russo. E na China se produziu uma clara separação do Partido e as massas, e se formou em seu seio um organismo parasitário.

A política do “Grande Salto Adiante” foi uma tentativa de agitar a iniciativa das massas, de despertar sua relação consciente com os acontecimentos em curso frente à via “pacífica”... A “Revolução Cultural” é uma convocatória direta para castigar esta burocracia desde a raiz, uma tentativa pela via aberta dos fatos para demonstrar às massas que elas são donas da situação no país, que em suas ações coletivas são poderosas.

A morte de Mao Tsé-tung significou para a China o mesmo que a morte de Stalin para a União Soviética: o final do período da ditadura do proletariado.

Andropov derrota finalmente aos maoístas.

Até o começo da década de 80, os ativistas do “Centro Operários” estabeleceram vínculos ilegais com seus partidários em muitas cidades da União Soviética, desde Moscou a Tyumen. Desenvolveu-se a questão da criação de uma organização marxista revolucionária ilegal que, por sugestão, receberia o nome de Partido da Ditadura do Proletariado. Porque o número de ativistas clandestinos do “Centro Operário” ascendia a várias centenas.

Graças a boa organização dos métodos conspirativos, a KGB nunca havia conseguido localizar e identificar a uma grande quantidade dos ativistas. Em 1981 os serviços de segurança só tinham conseguido os nomes dos dirigentes da organização, porém, segundo as leis da União Soviética, não dispunham de provas suficientes para deter ou prender aos dirigentes do “Centro Operário”.

Porém, até finais de 1981, a situação internacional para a URSS de Brezhnev havia se complicado. No Comitê Central do PCUS temia-se que as ações massivas dos trabalhadores na Polônia e o movimento Solidariedade pudessem encontrar algum tipo de apoio entre os trabalhadores soviéticos. Por isso, Yuri Andropov deu pessoalmente a ordem de prisão contra os dirigentes do “Centro Operário” ainda que a KGB não tivesse prova alguma da sua atividade ilegal. Isto sucedeu em 14 de dezembro de 1981, um dia depois de ter sido decretada lei marcial na Polônia.

Em Kuibyshev foram presos Isaev e Razlatsky. Apesar do fato das investigações não puderem demonstrar provas de suas atividades ilegais, os dirigentes do “Centro Operário” foram condenados a longas penas de prisão em novembro de 1982. Alexei Razlatsky foi condenado a 7 anos de prisão e 5 anos de exílio e Grigory Isaev a 6 anos de prisão e 5 de exílio.


Os derrotados Guardas Vermelhos soviéticos de Leningrado e Samara foram libertados alguns anos depois, no momento culminante da Perestroika. E aqui começa uma história completamente diferente: Arkady Tsurkov que uma vez foi propagandista das ideas de Mao em Leningrado nos tempos de Brezhnev emigrou para Israel e aquele autêntico Guarda Vermelho acabou estabelecendo-se em um kibbutz paramilitar...

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